O que está por trás da crise e dos protestos no Chile?

País enfrenta há uma semana a maior revolta social das últimas décadas

Protestos no Chile já deixaram 11 mortos, segundo anunciou o governo nesta segunda-feira (21/10). Foto DW

Em poucos dias, um país rico e tranquilo se transformou num local fora de controle, com o governo recorrendo aos militares para impor a ordem. O que desencadeou a crise e dos protestos mais grave desde o retorno do Chile à democracia?  Desde as primeiras manifestações contra o aumento da passagem de metrô na capital, que começaram na segunda-feira (14/10), os eventos avançaram a uma velocidade vertiginosa. O bilhete aumentou de um valor equivalente a 1,12 dólar para 1,16 dólar. O governo declinou do aumento, mas a medida não foi suficiente para arrefecer os protestos, que ganharam novas demandas.

O descontentamento se traduziu em panelaços, saques, destruição de estações de trens metropolitanos e queimas de ônibus, supermercados e outros edifícios na capital – ações que logo se espalharam para outras partes do país.

O governo chileno afirmou que “criminosos” são responsáveis pelos protestos violentos que já causaram 11 mortes. O presidente Sebastián Piñera decretou estado de emergência, que se transformou em um toque de recolher – medidas que não eram vistas desde o retorno à democracia, com o fim da ditadura de Augusto Pinochet, em 1990, salvo em casos de catástrofes naturais. E essas medidas apenas agravaram a situação.

O governo mantém em estado de emergência, totalmente ou parcialmente, dez das 16 regiões do país: a região metropolitana de Santiago, Antofagasta, Coquimbo, Valparaíso, Maule, Concepción, Bío Bío, O’Higgings, Magallanes e Los Ríos.

No fim de semana, estações de metrô foram fechadas em Santiago e Valparaíso, havia pouco transporte coletivo à disposição da população, supermercados não abriram, e em algumas áreas as aulas foram suspensas. Ao se procurar exemplos desse tipo de desordem, o caos vivido após o terremoto de 27 de fevereiro de 2010 é o único antecedente que pode ser encontrado nos últimos 25 anos.

Riqueza concentrada

Para o professor de História Contemporânea da Universidade do Extremo Sul Catarinense (Unesc), Tiago da Silva Coelho, o Chile é um país que despontou em prosperidade, mas ainda tem muita desigualdade social. “Há um crescimento econômico, mas a riqueza segue concentrada na elite e nas grandes empresas”, afirma.

A sociedade chilena é bastante desigual e muitas pessoas vivem com menos de um salário mínimo. As aposentadorias do Chile são, muitas vezes, menores do que um salário mínimo”, completa.

Mas como explicar essa explosão num país que mostra números macroeconômicos positivos e é frequentemente visto como um lugar tranquilo? Há uma semana, o próprio presidente Piñera afirmou que o Chile era um “oásis” na América Latina.

Silva Coelho lembra que a população já vem protestando há mais tempo devido as dificuldades econômicas e os serviços públicos quase inexistentes. “Um exemplo é a educação superior que é totalmente privada. A população tem ânsia por melhores condições”.

Essas fraturas têm a ver com uma qualidade de vida que geralmente está acima das possibilidades das pessoas. “O Chile tem uma série de problemas econômicos. Os salários não são altos, mas o custo de vida é altíssimo, principalmente nas grandes cidades”, acrescenta o professor.

O aumento do preço da passagem de metrô foi apenas o estopim, em um país onde os serviços básicos estão sendo privatizados, a previdência social é precária e um amplo setor da população está descontente com os privilégios de alguns setores da sociedade.

Gritos de ordem: “basta de abuso!”

“Essas manifestações não são só pela passagem do metrô. Elas são por uma soma de problemas como a dificuldade de serviços públicos, aposentadoria, alto custo de vida e os baixos salários. Talvez essa seja a forma de entender que mesmo um país rico é muito desigual e isso é aparentemente uma contradição, mas acaba existindo”, finaliza.

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